sábado, agosto 26, 2006

Portugal Perdido

Se ontem foi o dia em que fui mais guiado, hoje foi o dia que fui mais massacrado. Tudo começou quando cheguei a Segura. Pus o carro junto do Posto de Turismo, antigo Posto da Guarda-fiscal, que fica a 600m da fronteira. Nesta parte de Portugal, o Rio Erges delimita a fronteira (foto), sendo atravessado por uma velha ponte.

Utilizo um folheto de caminhada para fazer a chamada Rota das Minas. Desde 1857, e durante mais de um século, Segura foi um couto mineiro de importância regional, tendo-se explorado volfrâmio, estanho, chumbo, argentífero, barite, zinco, ouro e fosfatos. Por isso este percurso passa por várias minas e complexos de lavagens de minério. Penso que se bicicleta será mais interessante e rápido fazer o percurso e lá vou eu.

Mal começa, o percurso sobe por uma calçada em direcção a Segura. Depois de passar um Arco das Portas de Baixo, chega-se ao Largo da Praça com um pelourinho (foto). Ao sair da vila passo por um complexo de lavagem de minério de barite. Existe ainda uma passagem por uma antiga mina de estanho e volfrâmio. Depois de mais umas esquerdas e direitas, toma-se uma quelha (caminho estreito entre muros) (foto) que leva ao Rio Erges.
Esta é a parte mais radical do percurso porque o caminho entre muros está completamente coberto de ervas secas e existem pedras por baixo. Quando a caminho acaba, uma pequena pausa para tirar as palhas que apanharam boleia na bicicleta. Uns metros mais abaixo, antigos moinhos de água dão o toque final ao rio, que está seco (foto). Daqui até à ponte velha, o relevo altera-se totalmente. Um desfiladeiro que por vezes atinge os 100m de profundidade torna a progressão mais difícil, de quem quer descer o rio.
Próximo destino, Penha Garcia. Prometia ser mais uma terra numa encosta, com um conjunto de moinhos de água ao longo do Rio Pônsul e mais uns fósseis pelo meio.
Foi a grande surpresa do dia, pelo enquadramento de tudo e a perfeita envolvência com a paisagem.
Estacionei no Largo Chão da Igreja, onde existe jardim com miradouro sobre a planície, uma boa via sobre Monsanto, e onde está estacionado bem lá no meio, a apontar para Monsanto, um
tanque de guerra (!).
Seguindo as marcas de caminhada espalhadas pela vila, foi ter à Igreja Matriz, um dos pontos mais altos, depois do castelo. A partir daqui, a parte mais interessante desta vila é revelada a quem está de visita. No largo da igreja, à nossa esquerda o castelo e em frente, separado de nós por um varandim, um vale profundo, como que se tivesse sido escavado no monte, sem cerimónias, expondo todas as camadas de rocha que existem no seu interior. Lá em baixo moinhos de água recuperados, feitos de pedra de região dão com os seus telhados cor de tijolo, o toque final para aquela maravilha da natureza. Como um tesouro bem escondido do outro lado da encosta. Uns metros mais acima no Rio Pônsul, a Barragem de Penha Garcia, estrutura que se enquadra brilhantemente na paisagem, como uma guardiã do vale, uma comparação entre o desenvolvimento e o antigo.Da igreja segue-se em direcção ao castelo onde a vista ainda melhora mais. Volta-se às ruas de Penha Garcia para logo voltar a sair por entre outras ruas em direcção ao vale.
A cada passo que dou, fico sem perceber porque nasci longe das montanhas ou de sítios como este. Claro que não me posso queixar, porque tenho Sintra, mas é só Sintra… Descendo aos ziguezagues, com cada vez os moinhos (foto) a ficarem mais perto, mas não valia fazer batota, tinha de passar pelo paredão da barragem para atravessar para o outro lado do Rio Pônsul.
Pequenas casas feitas de granito para onde a água era canalizada, davam a imagem e o som ao local. De vez em quando rochas com fósseis (foto), animais marinhos chamados Trilobites que vivam à 250 milhões de anos deram origem a fosseis designados icnofósseis. A população local chama-lhes “cobras pintadas”.
Depois de último moinho e aproveitando o local, fez-se uma piscina artificial caindo sobre ela uma queda de água, local chamado de Fonte do Pego. Quando o tempo está mais quente um banho ali não podia vir em melhor altura.
Enquanto pensava que tudo tinha acabado, uma segunda dose com passagem obrigatória por dentro de uma casa e mais uns “bons dias” as gentes locais.
De volta à vila, perco-me como sempre pelas ruas que pararam no tempo. Vou sempre espreitando os cantos à procura de algo que fique bem na foto, ou por outras palavras, que fique melhor, pois o cenário é simplesmente excelente. Lá em baixo, por vezes parece que estou no Portugal dos Pequeninos… outros tempos, outros tamanhos.
Monsanto
. Já tinha visitado uma vez, tendo sido a porta de entrada nesta região. Foi o ano passado que fiz uma visita relâmpago a estes lados, onde visitei também Idanha-a-Velha, passando pela Barragem de Idanha-a-Nova que me deu ideia de ficar lá a dormir, por ser um local muito agradável.
Monsanto é considerado a aldeia mais portuguesa de Portugal, e apesar do seu ambiente não estar muito longe de outras que visitei, é justíssimo o título que lhe deram. Desde a parte mais baixa até ao castelo, existe sempre alguma coisa para descobrir. Quer seja vasos pendurados na parede, um chafariz com água fresca, a entrada de uma casa, a maneira como pintam as ombreiras das portas e janelas, que sobressaem em relação pedra cinzenta, uma sombra numa rua estreita, um alpendre… até as poucas casas que estão a cair, despertam curiosidade de saber o que está por detrás daquela porta de metro e meio.
Qualquer sítio da rua sem casa tem um vista difícil de descrever.
Ponto mais alto da vila fica o castelo, vigiando tudo em seu redor num raio de muitos quilómetros. A vila está lá em baixo, a mesma quase desde sempre. Deste ponto avistava-se quase todo o mundo se este fosse plano. Lá ao fundo a barragem de Idanha-a-Nova (foto), algures por detrás dos montes Idanha-a-Velha, Serra de Estrela, Penha Garcia, Penamacor e mais umas quantas terras que não sei o nome.
Uma última nota sobre o castelo, parece que não foi feito pelo homem, tal é o seu perfeito enquadramento com a natureza. Foi construído aproveitando grandes pedras já existentes, das quais nascem paredes que as ligam a outras pedras, formando um espaço fechado onde estão a Igreja de Santa Maria do Castelo, Torre de Menagem e a Casa do Governador.
Despedi-me de Monsanto com um “até para o ano”. O futuro o dirá.
Por ficar em caminho e por ainda ter tempo, mais um visita a Idanha-a-Velha. Terra bem arranjada e que se visita muito bem por ser praticamente plana. Rodeada de três lados pelo Rio Pônsul, possui uma ponte romana de quatro arcos, um deles em ogiva (!), e as chamadas poldras, como passagem sobre o rio. As poldras não são mais do que pedras alinhadas na perpendicular à margem, que dá para ir saltando até atingir o outro lado.
A imponente muralha em tempos protegeu as meias dúzia de ruas da vila. Este é o cartão de visita de Idanha-a-Velha.
Fim do 4º Dia

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