terça-feira, agosto 29, 2006

Últimos quilómetros

Foi a noite que pior dormi. O vento frio que sopra da serra entra por todos os buracos da tenta, e depois no saco cama. Tenho vestido duas camisolas, dois pares de meias, calças de fato de treino. Estou dentro do saco cama e por cima ainda tenho uma manta que geralmente uso para cobrir o fundo do porta-bagagem. Ultima nota, estamos no meio de Agosto, não era suposto estar uma temperatura amena? Levantei-me às 7:30, pois já estava farto de estar com frio e acordado. Comecei a arrumar tudo, tomei o pequeno-almoço e às 9:00 estava a caminho de Linhares.
Dirigi-me novamente para norte através da N17. De sublinhar a falta de placas indicadoras de direcção que, se não fosse o meu bom sentido de orientação, me teriam causado grandes problemas.
Chegado a Linhares, estacionei o carro no Largo da Misericórdia, onde está a Igreja da Misericórdia e onde uma Calçada Romana (foto) vai dar, que antigamente ligava Mangualde a Linhares. Existem enumeras janelas manuelinas espalhadas pela aldeia, mesmo na judiaria. A Igreja Matriz, de Nossa Senhora da Ascensão, possui no seu interior tábuas pintadas que revestem as paredes e que são atribuídas a Grão Vasco.
O castelo é constituído por duas torres ligadas por uma muralha. Uma delas foi recuperada e funciona um pequeno auditório e espaço de exposições. Existe um relógio que funciona por meio de pedras penduradas por correntes. As pedras funcionam como a mola dos relógios mais pequenos, precisando de seis em seis dias de ser reposicionadas. O castelo foi feito nos séc. XII-XIV e está assente sobre rochedos graníticos.
Sai da aldeia em direcção à zona de lançamento do parapente. Sai pela parte cima de Linhares, por uma estrada que subia a encosta íngreme da serra aos ziguezagues. Por fim bem lá no alto, parei o carro onde uma manga usada para ver a direcção do vento assinalava o local de lançamento. Vê-se tudo daqui. Linhares (foto) fica lá bem abaixo, e aqui em cima podemos quase tocar as nuvens.
A etapa mais longa da minha viagem estava a começar. Ir em direcção ao Piódão, passando por Manteigas, subido o vale glaciar até à Torre, descer a serra por S. Romão.
Mais de 100 km em pela Serra da Estrela e Serra do Açor. Começo por passar por Gouveia outra vez, seguindo as indicações que me indicavam Parque Natural da Serra da Estrela. A partir daqui “só” faltam trinta e poucos quilómetros para Manteigas. Estrada de serra sempre subir, curva contra-curva, excelente para que gosta de conduzir. Vista cada vez melhor, de vez em quando via-se a estrada por onde iríamos passar. Em certa curva a indicação de “Cabeça do Velho” e mais à frente uma escultura feita pela natureza (foto).
Começam a surgir os primeiros sinais da grande probabilidade da existência de neve no Inverno a esta altitude, os típicos postes às riscas pretas e amarelas. A estrada para de contornar a encosta e dirige-se para o interior. Faço um pequeno desvio para ver a barragem do Vale do Rossim (foto). É a partir aqui que nas minhas memórias vêm ao de cima. Quando fazia atletismo e vinha para com o grupo fazer caminhadas por estes lugares.
Quando planei este percurso, tive sempre em mente passar por local que há muito não passava e que me deixaram saudades. Andar por meio da serra fazendo nós os caminhos e passando por sítios como o Vale do Rossim, Sabugueiro, Ribeira da Caniça, Senhora do Desterro.
A estrada até Manteigas dos percursos mais incríveis que pode existir. Nunca mais se chega, curva apertada, contra-curva apertada, gancho para a direita, gancho para a esquerda (foto). Juntem a isto uma estrada deserta, estreita e com caruma nas bermas. Condução emocionante por ali a baixo, com mudanças de caixa constantes e direito a dor no pescoço.
Em Manteigas (foto) parei para encher o depósito da carrinha, ficando descansado em relação ao combustível.
A partir daqui, é sempre a subir em direcção à Torre, ponto mais alto de Portugal Continental. A estrada segue por um vale glaciar (foto) que em sido fustigado pelos incêndios nos últimos anos. Tudo queimado e em alguns pontos, a estada já começo a cair.
A Torre (foto) está coberta de nuvens, o vento sopra com força e a temperatura é baixa. As nuvens cobrem os radares. Estacionei o carro e fui dar uma volta, pois já estava há algumas horas a conduzir e precisava de esticar as pernas. O meu pescoço precisava também de outra posição por uns minutos. Dei uma volta ao edifício onde funciona um centro comercial, o mais alto do país. Caminhei pelo parque de estacionamento onde param os autocarros. Típicas excursões de fim-de-semana, com famílias inteiras a falarem aos berros, conseguindo sempre ser o centro das atenções. Gente da província, fazendo sempre o maior estardalhaço possível. Os que o pessoal da cidade apelida de “bimbos”. O minha opinião é que são almas que não apreciam por onde passam, não respeitam o lugares por onde param a fazer picnics, deixando sempre o lixo onde comeram. Bom exemplo é as traseiras o centro comercial com a malta desenrola a manta e tira para for a panela com qualquer coisa, quer seja cozido, peixe ou carne, e depois deixando os restos. Tenho pena que seja assim e dou graças a ter nascido num local de Portugal que me proporcionou a cultura que tenho e cultivei, o respeito que tenho por tudo o que me rodeia. Passo por estes estranhos como se não tivessem lá.
Continuando a dizer mal, o centro comercial parece um bazar que pais árabe, com um ar um pouco duvidoso, com lojas atulhadas de coisas até à porta. A casa de banho uma vergonha. Exigente? Claro que sim, pois é a imagem que está em jogo. É melhor ficar por aqui.
Sinto o ar da serra ao andar ao ar livre. Vou até à zona para as cadeiras de ski, um bom transporte encosta a baixo. Caminho lentamente em direcção ao carro. Passo pelo marco geodésico da Estrela (foto), que assinala o ponto mais alto de Portugal Continental. Reparo que é o único marco geodésico que conheço que é feito em pedra.
Percorrendo as estradas da serra em direcção a S. Romão, revi passado recente na serra, por se percorria aquelas encostas inclinadas, percorríamos as levadas e passávamos por sítios sem caminhos. A estrada é larga e boa para uma estrada de montanha, não existe transito. Passo pela Lagoa Comprida nas não paro. O meu cansaço mais a noite mal dormida começava a dar sinais. A paciência começa a ser pouca. E ainda tenho de ir até Lisboa…
Num cruzamento sem sinalização, saio da estrada para uma doutra secundária (foto) que vai até a S. Romão. Passo ainda pela Senhora do Desterro e pela sua central eléctrica.
Em S. Romão paro para compara uma broa de milho para os meus pais. É incrível mas parece que começo que espaço como se vivesse lá. Também pouco mudou por estes lados.
Apanho a nacional 231 e depois de apanhar uma outra que me leva à N231 e a Vide. Poucos metros depois de sair de Vide, existe uma indicação para a direita que indica “Piódão 15km”. A estrada tem metade da largura e o dobro das curvas (foto). A média está no 20-30 km/h. A paisagem é incrível. Deixando de lado os típicos pinheiros queimados, esta zona tem vales tão profundos e pico tão altos que é preciso por a cabeça fora do carro para os ver. A condução torna-se difícil devido à quantidade de curvas cegas que existem. Quando há um cruzamento com outro veículo, há que negociar bem o espaço. As povoações que habitam por aqui sobem as encostas íngremes como trepadeiras. Ficou-me na memória uma terra que tinha meia dúzia de casas ao pé da estrada, e depois subia a encosta uma escada que dava acesso às outras casas.
Meia hora depois estou no Piódão, meio desesperado com 1 nabo à minha frente que nunca deve ter passado de 1º o caminho todo.
Nomes de terras: Rodeado, Malhada das Cilhas, Nossa Senhora da Ajuda, Colce da Eira, Quinta da Barroca Seca, Malhada do Vitoreiro, C. Vitoreiro, Outeiro Grosso, Outeiro da Malhada do Muro, Casas Figueiras, Foz da Égua, C. do Baloção, Covita, Moinhos, Outeiros dos Bardos, Eira da Bocha, Pés Escaldados, Chão de Égua, Outeiro do Penedinho, Outeiro da Boxa e finalmente…
Piódão (foto). O sitio mais isolado onde estive em Portugal. Devem existir outro bem piores, mas ainda não fui lá. É uma terra para não ser visitada em Agosto ao fim-de-semana. Claramente não tem capacidade para tantos carros e pessoas.
Aldeia com telhados de xisto que fica no meio do nada, mas que vale a pena ser visitada, pelo seu enquadramento na Serra do Açor, pelas suas casa com telhado diferentes, portas e janelas azuis. Queria ter visitado Piódão à alguns anos atrás, quando uma densa floresta a envolvia e que distinguia melhor da encosta. O verde das arvores contra o escuro do xisto. Tem sido feito em esforço para substituir os telhados de telha normal para xisto e algumas paredes brancas também para xisto.
Um ou dois dias antes desta viagem, ouvi uma reportagem sobre um café que tinham construído no largo principal. Usando todos os tons da aldeia, os materiais são modernos e ai está a polémica. Pessoalmente não dei por tal construção, só a identifiquei porque já a tinha visto na televisão, mas olhando bem, a Igreja Matriz toda pintada de branco fica lá muito pior. Pelo menos o café aos sábados está aberto, a igreja está fechada…
Polémicas à parte. Deixei o carro por entre muitos, uns bons metros antes do Largo Cónego Manuel Fernandes Nogueira (foto) que dá as boas vindas ao visitante. Aqui é o centro da aldeia, existindo “o café”, a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, a junta de freguesia onde funciona o turismo e o museu.
No museu arranjei um mapa de Piódão. Dei-lhe uma vista de olhos para me orientar. Havia dois percursos assinalados, um deles tinha uma simpática nota de rodapé que dizia: “ATENÇÃO - Percurso longo e de acesso difícil. Aos menos habituados a caminhadas aconselha-se estar em boas condições físicas e ter “calçado adequado”. Mas que raio é que eles estão a falar? Difícil? Botas serão calçado adequado? Vamos lá desmascarar estes mentirosos.
Subindo a escadas da Igreja Matriz, e em poucos metros sou envolvido pelas ruas estreita, onde tudo é feito de xisto, menos as janelas azul de alumínio, material que substitui na perfeição a madeira. Há medida que percorro estas ruas em direcção à Eira Comunitária, ponto mais alto da aldeia, vejo que a nota de rodapé se aproxima “ligeiramente” da realidade.
Chegou à parte do downhill. Ruas estreitas, curvas contra-curvas, degrau altos, cantos e recantos e mais uns quantos desníveis.
Chego a um caminho que atravessa a aldeia em direcção às Chãs e Foz d’Eguas, começo a caminhar por ele afastando-me da aldeia (foto). Lá em baixo corre o Ribeira de Piódão, caminhos entre casas abandonadas, talvez moinhos. Depois de uma curva, encontro uma estrada de alcatrão. Volto para trás.
Ao voltar a aldeia, passou pelo Posto Publico e entre duas casas corre água por uma série de degraus de xisto (foto). O engraçado é que passo por aqui meia hora depois, já não corre nada, será que fecharam a torneira?
No ponto mais baixo da aldeia, existe o que vem descrito no folheto como piscina natural, mas parece que as chuvas fizeram com que o ribeira arrastasse tudo pela encosta abaixo, transformando a zona num kaos, destruindo uma estrada que entretanto foi reconstruída e quase levando também a ponte velha (foto).
Boas casas, bons ambiente e ares, diferentes cenários mas estava na hora de voltar para casa. Três horas e meia depois estava de volta a casa, com muitas coisa para lavar e arrumar, com histórias para contar.

Fim do 6º Dia e da Viagem

1 comentário:

João Fialho disse...

Gostei. Dá vontade de ir até lá.